quinta-feira, 8 de setembro de 2022

DITIRAMBO MODERNO (PARLENDAS EM MARCHINHAS)

EI VOCÊ AÍ

Ei você aí
Venhá se divertir
Venhá se divertir

Ei você aí
Venhá se divertir
Venhá se divertir

Venha sonhar com o coração
Você vai ter uma grande emoção
Vamos fazer você chorar sorrir
Venhá, venhá, venha se divertir (BIS)

(PARÓDIA)

NALDÃO
Ator e diretor teatral
musicas para animação de teatro de rua 
baseado em musicas carnavalescas

(DITIRAMBO MODERNO)
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CRIAÇÃO COLETIVA

CRIAÇÃO COLETIVA

A criação coletiva surge com os conjuntos tea­trais que, nas décadas de 1960 e 70, associam to­dos os elementos da encenação, inclusive o texto, em um mesmo processo de autoria baseado na experimentação em sala de ensaio. Na Europa, esse método de construção cênico-dramatúrgica está ligado a encenadores' - como Peter BROOK, Giorgio STREHLER, Ariane MNOUCHKINE e Luca RONCONI - que, à frente de uma com­panhia", propõem novas formas de atuação e de espacialização, muitas vezes se apresentando fora das salas convencionais. Nos Estados Uni­dos, grupos como Living Theatre, Open Theatre e Performance Group buscam o contato direto com o público, abordando questões da socieda­de contemporânea a partir de uma visão crítica e libertária.
No Brasil, onde a criação coletiva floresceu jun­to aos grupos" da década de 1970, diversos espe­táculos fizeram história, entre eles: O&A, 1968 e Terceiro Demônio, 1972, pelo TUCA; Cypriano e Chan-ta-lan, ópera-bufa do grupo Pão e Circo, 1971; Som ma, ou os Melhores Anos de Nossas Vi­das, 1973, pelo Grupo de Niterói; Luxo, Som Lixo ou Transanossa, 1972; Rito do Amor Selvagem, 1972; Gente Computada Igual a Você, do Dzi Cro­quettes, 1973; Trate-me Leão, do grupo Asdrú­bal Trouxe o Trombone, 1977; Mistério Bufo, da Companhia Tragicômica Jaz-O-Coração, 1979. Nessas obras, elaboradas em processos extensos, a improvisação dos atores" se concentra muitas vezes em aspectos vivenciais, o que resulta em farto material e espetáculos de longa duração. A forma de produção cooperativada, a restrita ficha técnica e a confecção coletiva dos objetos e ele­mentos de cena produzem uma linguagem que expressa a identidade cultural do grupo.
Embora a criação coletiva tenha angariado a imagem de negação da técnica e de espontaneís­mo, ela deve ser considerada um modo de cria­ção a que correspondem diversos métodos, al­guns sistematizados pelo diretor" - como aquele praticado pelo grupo La Candelária (Colômbia) - e outros que, mesmo não descritos, serviram de material para teóricos que se debruçaram sobre o estudo da criação em grupo. Entre os diversos métodos, existem certas características comuns à criação coletiva, principalmente no que diz res­peito à motivação dos grupos alimentados pelas ideias do teatro de vanguarda: e pela rebeldia con­tra os padrões estabelecidos, sejam eles sociais, estéticos ou morais. Do ponto de vista da lin­guagem, há em geral uma ênfase do corpo e da ação, originada no ponto de partida do processo criativo: o jogo entre os atores e a improvisação funcionam como alfabeto com que o grupo es­creve suas ideias.
Entre os grupos brasileiros dos anos de 1970, o Pod Minoga (SP) conjuga a maior estabilidade de integrantes à menor hierarquização de fun­ções. A criação coletiva percorre todas as etapas de concepção e realização do espetáculo. Não há autor nem diretor. Flávio de SOUZA, Dionísio JACOB, Mira HAAR, Regina WILKE, Ângela GRASSI, Naum Alves de SOUZA e Carlos MO­RENO permaneceram juntos em quase todos os espetáculos. Folias Bíblicas, 1977, e Salada Pau­lista, 1978, são seus trabalhos mais conhecidos. O grupo realizou, entre 1972 e 1980, sete espetá­culos em criação coletiva sem que o texto, à ex­ceção dos dois últimos, jamais fosse escrito: em cada apresentação, o roteiro de ações criado a partir das improvisações permitia que a palavra se mantivesse permeável ao imprevisto.
Já no Asdrúbal Trouxe o Trombone (RJ), que chega à criação coletiva depois de dois espetácu­los, a composição da estrutura narrativa de Trate­-me Leão antecede o início dos ensaios e se cons­titui como um trabalho de colaboração entre os atores (que selecionam fragmentos de qualquer origem pelo critério da identificação com ques­tões da vida pessoal e do cotidiano), o diretor (que identifica núcleos temáticos no material apresen­tado e submete ao grupo um primeiro esboço de cenas) e artistas convidados a levar ao grupo con­tos, poemas e músicas. Só depois de pronto o ro­teiro inicia-se o trabalho de improvisação.
O que possibilita essa prática de criação cê­nico-dramatúrgica a partir do trabalho dos ato­res é uma forma de atuação fisicalizada e irreve­rente, gerada em um contexto histórico-cultural de valorização do corpo e negação das regras. Em Ubu Rei, por exemplo, segundo espetáculo do Asdrúbal, já havia uma linguagem de atuação em comum que permitiria, no trabalho seguin­te, a criação coletiva: o crítico Yan MICHALSKI mapeia as características dessa atuação quando escreve no Jornal do Brasil, a 31 de outubro de 1975, que "grande parte do conteúdo da men­sagem é transmitida sistematicamente através da atitude, do gesto, do movimento e do ritmo corporal dos atores", recursos que eles "dominam com uma generosa riqueza de detalhes e com um surpreendente preparo técnico".
Um dos espetáculos mais emblemáticos desse modo de criação, também pelo seu caráter inaugu­ral, foi Gracias, Sefíor, montado pelo Teatro Oficina em 1972, quando o grupo opta por se configurar como uma comunidade. Com oito horas de dura­ção, divididas em dois dias, a montagem abandona­va os limites da narrativa aristotélica e da ficção e se aproximava de uma vivência que englobava palco e plateia. O espetáculo se estruturava em oito cenas temáticas. Entre elas, "Aula de Esquizofrenia" utili­zava repolhos para simbolizar cérebros submetidos à lobotomia; a "Divina Comédia" mostrava os me­canismos de repressão da indústria cultural; a "Res­surreição dos Corpos" partia para o contato físico entre atores e espectadores com a ideia de trans­mitir energias vitais; a "Barca" fazia uma viagem marítima para uma utópica liberação dos corpos; o "Novo Alfabeto' brincava com um bastão e o pas­sava entre os presentes; e, ao final, "Te-Ato*" fazia daquele bastão o veículo para uma ação transfor­madora dos participantes. Inspirado pelo contato do Oficina com o Living Theatre e, em especial, pela influência de Paradise Now, o espetáculo Gra­cias, Sefíor gerou polêmica por pretender conduzir a plateia a uma mudança de pensamento e de atitu­de a partir da condução explícita do grupo.
Há casos em que a criação, embora coletivi­zada, se dá sob a condução do encenador, que se utiliza desse procedimento para uma obra deter­minada, sem torná -10 uma marca de sua estética. Mantendo as demais funções do espetáculo, ele amplia o trabalho do ator até a criação da cena e da dramaturgia, sem contudo colocar em discus­são a concepção. É o caso de Macunaíma, em que o projeto de recriar no teatro a obra de Mário de ANDRADE foi concebido e assinado pelo diretor ANTUNES FILHO tendo, no processo, a partici­pação de sua equipe.
Hoje, muitos grupos se servem de técnicas da 'criação coletiva para pesquisar novas linguagens e construir uma obra autoral. O Grupo Galpão (MG) realizou, na década de 1980, vários espetáculos uti­lizando esse método - entre eles, E a Noiva não quer Casar, Ó Procê vê na Ponta do Pé, A Comédia da Esposa Muda. A Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveiz (RS), fundada em 1978, trabalha com im­provisações para, a partir de uma obra literária ou dramatúrgica e de textos teóricos relacionados ao tema que se quer abordar, criar uma escritura cê­nica própria, feita de fragmentos; na contramão da história, o grupo se encarrega, como há trinta anos, de todos os elementos da cena, sem contratação de profissionais especializados. Em ambos os casos, a criação coletiva tem mais o sentido de engajamen­to dos integrantes em todo o processo de criação e realização de cada obra do que aquele de um espa­ço vazio onde o grupo exprime a própria subjetivi­dade - o que pode ser considerado um importante diferencial entre seu uso hoje e naquele período em que o método se disseminou.
Depois de virtualmente desaparecer dos pal­cos durante os anos de 1980 e 90, a criação coletiva gera descendentes. O processo colaborativo" marca o retorno a vários elementos constitutivos dessa prática: dramaturgia em aberto, longos percursos de elaboração e sistema de trabalho coletivo. Há, porém, diferenças significativas entre os dois mo­mentos. O conjunto teatral já não é mais o grupo que se mantém junto por afinidade pessoal, mas uma companhia profissional cujos integrantes po­dem variar muito de um espetáculo para outro e cujo vértice está na concepção do encenador. (RT)

(GUINSBURG, J., FARIA, João Roberto e LIMA, Mariângela Alves de (Coord.). Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Perspectiva: Edições SESC SP, 2009, p.110 - 112)

 

DICIONÁRIO DE TEATRO: CONCEITO ESCRITURA CÊNICA

ESCRITURA CÊNICA

1. A escritura (a arte ou o texto) dramática é o universo teatral tal como é inserido no texto pelo autor e recebido pelo leitor. O drama é concebi­do como estrutura literária que se baseia em al­guns princípios dramatúrgicos: separação dos papéis, diálogos, tensão dramática, ação das per­sonagens. Esta escritura dramática possui carac­terísticas que facilitam sua passagem para (ou sua confrontação com) a escritura cênica: principal­mente a distribuição do texto em papéis, seus buracos e ambigüidades, a abundância de indica­ções espaço-temporais", A escritura dramática não deve, todavia, ser confundida com a escritu­ra cênica que leva em conta todas as possibilida­des de expressão da cena (ator, espaço, tempo).
A tarefa do cenógrafo é assistir o encenador para encontrar uma escritura (ou uma linguagem) cênica: "para cada peça, inventar uma espécie de linguagem para o olho que sustente os significa­dos da peça, os prolongue e faça eco a eles, ora de modo preciso e quase crítico, ora de modo difuso e sutil, à maneira de uma imagem poética (onde os sentidos fortuitos não são menos impor­tantes que aqueles que foram procurados), no in­terior do registro e do modo de expressão esco­lhido" (R. ALUO, citado in BABLET, 1975: 308).

2. A escritura (ou a arte) cênica é o modo de usar o aparelho cênico para pôr em cena - "em ima­gens e em carne" - as personagens, o lugar e a ação que aí se desenrola. Esta "escritura" (no sen­tido atual de estilo ou maneira pessoal de expri­mir-se) evidentemente nada tem de comparável com a escritura do texto: ela designa, por metáfo­ra, a prática da encenação, a qual dispõe de instru­mentos, materiais e técnicas específicos para trans­mitir um sentido ao espectador. A fim de que a comparação com a escritura se verifique como algo bem fundado, seria necessário estabelecer primei­ramente o léxico dos registros, unidades e modos de prática cênica. Mesmo que a semiologia* reve­le certos princípios de funcionamento cênico, é cla­ro que ainda ficamos muito longe de um alfabeto e de uma escritura no sentido tradicional.
- A escritura cênica nada mais é do que a ence­nação* quando assumida por um criador que con­trola o conjunto dos sistemas cênicos, inclusive o texto, e organiza suas interações, de modo que a representação não é o subproduto do texto, mas o fundamento do sentido teatral. Quando não há texto a encenar, e, portanto, encenação de um tex­to, falar-se-á no sentido estrito em escritura cêni­ca: a de um WILSON (nos seus primeiros traba­lhos), um KANTOR ou um LEPAGE.
O trabalho dramatúrgico* (sentido 2) encara o texto dramático dentro da perspectiva de sua escritura cênica.

3. Para PLANCHON, a escritura cênica e a escri­tura dramática sempre existiram, mas cada época privilegia uma delas: a Idade Média escreve em imagens, procura representar as personagens de seus mistérios. O c1assicismo parte do texto, adapta e retrabalha materiais textuais, sem preocupar-se com sua apresentação visual. Nossa época distin­gue as duas escrituras e as representações esco­lhem uma delas: "Às vezes o texto dramático ocu­pa todo o terreno, às vezes é a escritura cênica, e, às vezes, é a mistura dos dois" (Pratiques n. 15- 16, 1977, p. 55). Esta distinção e este corte que os encenadores, como os eruditos, deleitam-se em perpetuar é, em si, bastante discutível, pois, se sempre se opôs historicamente mimese (a imita­ção de uma coisa) a diégese (o texto que descreve esta coisa), a imagem ao texto, é em virtude de um critério de imitação e de realismo, logo, de relação ao referente, que está longe de ser o úni­co possível. Por outro lado, todo texto obriga o leitor a fazer dele, para si, uma representação ficcional e, inversamente, toda imagem cênica se lê também conforme um conjunto de códigos e circuitos que a linearizam e a decompõem.

(PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: perspectiva, 1999, p 131 - 132)

 

DICIONÁRIO DE TEARTRO: CONCEITO DE ENCENAÇÃO

ENCENAÇÃO

A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do século XIX e o emprego da palavra remonta a 1820 (VEINSTEIN, 1955:9). É nesta época que o encenador passa a ser o responsável “oficial” pela ordenação doe espetáculo. Anteriormente, o ensaiador ou, às vezes, o ator principal é que era encarregado de fundir o espetáculo num molde preexistente. A encenação se assemelhava a uma técnica rudimentar de marcação* dos atores. Esta concepção prevalece às vezes entre o grande público, para quem o encenador só teria que regulamentar os movimentos dos atores e das luzes.
B. DORT explica o advento da encenação não pela complexibilidade dos recursos técnicos e da presença indispensável de um “manipulador” central, mas por uma modificação dos públicos: “A partir da segunda metade do século XIX, não há mais, para os teatros, um público homogêneo e nitidamente diferenciado segundo o gênero dos espetáculos que lhe são oferecidos. Desde então, não existe mais nenhum acordo fundamental prévio entre espectadores e homens de teatro sobre o estilo e o sentido desses espetáculos” (1971:61).

1. Funções da Encenação

a. Definições mínima e máxima

A. VEINSTEIN propõe duas definições de encenação, segundo o ponto de vista da grande público e aquele dos especialistas: “Numa ampla acepção, o termo encenação designa o conjunto dos meios de interpretação cênica: cenário, iluminação, música e atuação [...]. Numa acepção estreita, o termo encenação designa a atividade que consiste no arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação, dos diferentes elementos de interpretação cênica de uma obra dramática” (1955: 7).
Deixamos de lado as razões históricas do surgimento da encenação, no final do século XIX, sem menosprezar sua importância. Seria fácil mostrar a revolução técnica da cena, entre 1880 e 1900, principalmente a mecanização do palco e o aperfeiçoamento da iluminação elétrica. A isto se acrescentam a crise do drama, assim como o desmoronamento da dramaturgia clássica e do diálogo (SZONDI, 1956).

b. Exigência totalizante

Em suas origens, a encenação afirma uma concepção clássica da obra teatral cênica como obra total e harmônica que ultrapassa e engloba a soma dos materiais ou artes cênicas, outrora considerados como unidades fundamentais. A encenação proclama a subordinação de cada arte ou simplesmente de cada signo a um todo harmonicamente controlado por um pensamento unificador. “Uma obra de arte não pode ser criada se não for dirigida por um pensamento único” (E. G. CRAIG). A exigência totalizante é acompanhada, desde o surgimento da encenação, de uma tomada de consciência da historicidade dos textos e das representações, da série de sucessivas concretizações de uma mesma obra. Esta historicidade se manifesta pela imposição de um novo saber ao texto a ser representado: aquele das ciências humanas: “O saber é constitutivo da encenação” (PIEMME, 1984: 67).

c. Colocação no espaço

A encenação consiste em transpor a escritura dramática do texto (texto escrito e/ou indicações cênicas*) para uma escritura cênica. "A arte da encenação é a arte de projetar no espaço aquilo que o dramaturgo só pode projetar no tempo" (APPIA, 1954: 38). A encenação é "numa peça de teatro a parte verdadeira e especificamente teatral do espetáculo" (ARTAUD, 1964b: 161, 162). É, em suma, a transformação, ou melhor, a concretização do texto, através do ator e do espa­ço cênico, numa duração vivenciada pelos es­pectadores.
O espaço é, por assim dizer, colocado em pa­lavras: o texto é memorizado e inscrito no espaço gestual do ator, réplica após réplica. O ator busca o percurso e as atitudes que melhor correspondem a sua inserção espacial. As falas do diálogo, rea­grupadas no texto, são doravante espalhadas e inseri das no espaço e no tempo cênicos, para se­rem vistas e ouvidas: "O tipo de enunciação do texto dramático contém a exigência de ser dado a ver", escreve justamente P. RICOEUR (1983: 63). O gesto, por exemplo, é sistematicamente trabalhado para ser legível (mais que visível); ele é estilizado, abstrato, decomposto, associado mne­motecnicamente ao desfile do texto, ancorado de acordo com alguns pontos de referência, em al­guns apoios (subpartitura*).

d. Conciliação

Os diferentes componentes da representação, devidos muitas vezes à intervenção de vários cria­dores (dramaturgo, músico, cenógrafo etc.), são reunidos e coordenados pelo encenador. Quer se trate de obter um conjunto integrado (como na ópera) ou, ao contrário, de um sistema onde cada arte conserva sua autonomia (BRECHT), o ence­nador tem por missão decidir o vínculo entre os diversos elementos cênicos, o que evidentemente influi de maneira determinante na produção do sentido global. Este trabalho de coordenação e homogeneização se faz, para um teatro que mos­tra uma ação, em torno da explicação e do co­mentário da fábula* que é tornada inteligível re­correndo-se à cena usada como teclado geral da produção teatral. A encenação deve formar um sistema orgânico completo, uma estrutura onde cada elemento se integra ao conjunto, onde nada é deixado ao acaso, e sim, possui uma função na concepção de conjunto. Toda encenação instaura uma coerência *, a qual, aliás, ameaça a todo momento transformar-se em incoerência. Exem­plar, a este respeito, é a definição de COPEAU, que retoma inúmeras experiências teatrais: "Por encenação entendemos: o desenho de uma ação dramática. É o conjunto dos movimentos, gestos e atitudes, a conciliação das fisionomias, das vo­zes e dos silêncios; é a totalidade do espetáculo cênico, que emana de um pensamento único, que o concebe, o rege e o harmoniza. O encenador in­venta e faz reinar entre as personagens aquele vín­culo secreto e invisível, aquela sensibilidade re­cíproca, aquela misteriosa correspondência das relações, em cuja ausência o drama, mesmo que interpretado por excelentes atores, perde a melhor parte de sua expressão" (COPEAU, 1974: 29-30).

e. Evidenciação do sentido

A encenação não é mais considerada, portanto, como "mal necessário" do qual o texto dramático poderia muito bem, afinal de contas, se privar, e sim, como o próprio local do aparecimento do sen­tido da obra teatral. Assim, para STANISLÁVSKI, compor uma encenação consistirá em tomar mate­rialmente evidente o sentido profundo do texto dra­mático. Para isso, a encenação disporá de todos os recursos cênicos (dispositivo cênico, luzes, figuri­nos etc.) e lúdicos (atuação, corporalidade e gestualidade). A encenação compreende ao mes­mo tempo o ambiente onde evoluem os atores e a interpretação psicológica e gestual desses atores. Toda encenação é uma interpretação do texto (ou do script), uma explicação do texto "em ato"; s6 temos acesso à peça por intermédio desta leitura do encenador.

f. Três questões sobre a organização da encenação

Para compreender a concretização que impli­ca toda nova encenação de um mesmo texto, bus­ca-se estabelecer a relação entre o texto dramáti­co e seu contexto de enunciação, colocando três questões teóricas:

• Que concretização é feita do texto dramático quando de qualquer nova leitura ou encenação? Que circuito da concretização se estabelece en­tão como obra-coisa, contexto social e objeto es­tético? (Para retomar os termos de MUKA­ROVSKY (1934); cf PAVIS, 1983a).

• Que ficcionalização, isto é, que produção de uma ficção, a partir do texto e a partir da cena, se estabelece graças aos efeitos conjugados do texto e do leitor, da cena e do espectador? No que a mes­cla de duas ficções, textual e cênica, é indispensá­vel à ficcionalização teatral? (cf PAVIS, 1985d)?

• A que ideologização são submetidos o texto dra­mático e a representação? O texto - seja ele dramá­tico ou espetacular - só se compreende em sua intertextualidade*, principalmente em relação às formações discursivas e ideológicas de uma épo­ca ou de um cor pus de textos. Trata-se de imagi­nar a relação do texto dramático e espetacular com o contexto social, isto é, com outros textos e dis­cursos mantidos sobre o real por uma sociedade. Sendo esta relação das mais frágeis e variáveis, o mesmo texto dramático produz sem dificuldade uma infinidade de leituras e, portanto, de encena­ções imprevisíveis a partir somente do texto.

g. Solução imaginária

O relacionamento das duas ficções, textual e cênica, não se limita a estabelecer uma circularidade entre enunciado e enunciação, ausência e presença. Ela confronta os locais de indetermi­nação e as ambigüidades do texto e da represen­tação. Estes locais não coincidem necessariamente no texto e no palco. Por vezes, a representação pode tomar ambígua, isto é, polissêmica ou, ao contrário, vazia de sentido, esta ou aquela passa­gem do texto. Por vezes, ao contrário, a represen­tação toma partido sobre uma contradição ou uma indeterminação textual.
Tomar opaco pelo palco o que era claro no tex­to, ou esclarecer o que era opaco no texto, tais ope­rações de determinação/indeterminação situam-se no cerne da encenação. Na maior parte do tempo, a encenação é uma explicação de texto que orga­niza uma mediação entre o receptor original e o receptor contemporâneo. Por vezes, ao contrário, ela é uma "complicação de texto", uma vontade deliberada de impedir toda comunicação entre os contextos sociais das duas recepções.
Em certas encenações (aquelas inspiradas, por exemplo, por uma análise dramatúrgica brechtia­na), trata-se de demonstrar como o texto dramáti­co foi ele próprio a solução imaginária de contra­dições ideológicas reais, aquelas da época na qual se estabeleceu a ficção. A encenação é então en­carregada de tomar a contradição textual imagi­nável e representável. Para encenações preocu­padas com a revelação de um subtexto do tipo stanislavskiano, supõe-se que o inconsciente do texto acompanhe, num texto paralelo, o texto real­mente pronunciado pelas personagens.

h. Discurso paródico

Qualquer que seja a vontade, apregoada ou não, de mostrar a contradição da fábula ou a verdade profunda do texto através da visualização do subtexto, a encenação é sempre um discurso ao lado de uma leitura achatada e neutra do texto; ela é, no sentido etimológico, paródica. mas nem a contradição, nem o subtexto inconsciente estão verdadeiramente ao lado ou acima do texto (como o metatexto); eles estão no entrechoque e no en­trelaçamento das duas leituras, no interior da concretização, da ficção, da relação com a ideo­logia: como uma paródia que não poderíamos se­parar do objeto parodiado.

i. Direção de ator

Concretamente, a encenação passa por uma fase de direção de atores. O encenador guia os comediantes fazendo-os mudar e explicitando-lhes a imagem que eles produzem trabalhando a partir de suas propostas e efetuando correções em função dos outros atores. Ele se assegura de que o detalhe do gesto, da entonação, do ritmo cor­responde ao conjunto do discurso da encenação, integra-se a uma seqüência, a uma cena, a um conjunto. Os atores experimentam, durante os en­saios, diversas situações de enunciação*. Ocu­pam pouco a pouco o espaço, ao termo de um tra­jeto, organizando e organizando-se no conjunto dos sistemas cênicos: "É isto a direção de ator, conseguir motivar vocês e por que os gestos efetuados por vocês no palco lhes pareçam não só que 'têm de ser feitos', mas que são evidentes: sentir que o papel é interpretado apenas com os deslocamentos, por exemplo" (C. FERRAN in Théâtre/Public n. 64-65, 1985, p. 60). Uma dire­ção assim supõe que os signos produzidos pelo ator sejam emitidos claramente, sem "ruídos" nem interferências, com os traços pertinentes busca­dos pelo discurso global da encenação, que os comediantes realizem o jogo cênico uns com os outros, sejam audíveis e "legíveis". Dedica-se freqüentemente um cuidado particular à entona­ção e ao ritmo, àquilo que os alemães chamam de Sprachregie (encenação da língua).
A encenação não é necessariamente - como está na moda dizer - um exercício de autori­tarismo do encenador que despoja os autores e tiraniza sadicamente atores-marionetes. BRECHT o lembrava, em vão: "Entre nós, o encenador não penetra no teatro com sua 'idéia' ou sua 'visão', uma 'planta baixa das marcações' e dos cenários prontos. Seu desejo não é 'realizar' uma idéia. Sua tarefa consiste em despertar e organizar a ati­vidade produtiva dos atores (músicos, pintores etc.). Para ele, ensaiar não significa fazer engolir à força alguma concepção fixada a priori em sua cabeça e, sim, pô-la à prova" (1972: 405).

i. Indicação

No jargão dos atores, diz-se que o encenador dá indicações aos comediantes. Toda a dificul­dade consiste em dar e receber esta indicação por meias palavras: "É uma coisa bem difícil saber pegar bem uma indicação, como é coisa difícil para o encenador dá-Ia com clareza. É preciso captar o espírito de não tomar-se escravo da le­tra" (DULLIN, 1946: 48). Conselho que seguem todos os encenadores para quem a indicação não deve desembocar numa imitação: indicar não é ditar, é, antes, sugerir, informar, mostrar um ca­minho possível.

2. Problemas da Encenação

a. Papel da encenação

O surgimento do encenador na evolução do teatro é significativo de uma nova atitude pe­rante o texto dramático: durante muito tempo, na verdade, este apareceu como o recinto fecha­do de uma única interpretação possível que era preciso despistar (comprova isto, por exemplo, a fórmula de LEDOUX que recomendava ao encenador, em confronto com o texto, "servir e não servir-se"). Hoje, ao contrário, o texto é um convite a buscar seus inúmeros significados, até mesmo suas contradições; ele se presta a novas interpretações. O advento da encenação prova, além do mais, que a arte teatral* tem doravante direito de cidade como arte autônoma. Sua sig­nificação deve ser buscado tanto em sua forma e na estrutura dramatúrgica e cênica quanto no ou nos sentidos do texto. O encenador não é um elemento exterior à obra dramática: "Ele ultra­passa o estabelecimento de um quadro ou a ilus­tração de um texto. Toma-se o elemento fun­damental da representação teatral: a mediação necessária entre um texto e um espetáculo. [ ... ] Texto e espetáculo se condicionam mutuamen­te; um expressa o outro" (DORT, 1971: 55-56).

b. O discurso * da encenação

A encenação de um texto sempre tem uma palavra a dizer: intervenção capital pois será, para a representação, a "última palavra"; não existe discurso universal e definitivo da obra que a representação deve trazer à luz. A alternativa que ainda hoje vigora entre os grandes encena­dores - "levar o texto" ou "levar a representa­ção" - é, portanto, falseada desde o início. Não se poderia privilegiar impunemente um dos dois termos. Quase não se pensa mais, hoje, que o texto é o ponto de referência congelado numa única representação possível, texto que só teria uma única "verdadeira" encenação (roteiro*, texto e cena*).

c. Local do discurso da encenação

• As indicações cênicas* dão diretivas muito precisas para a realização cênica, porém a encenação não tem necessariamente que segui-Ias ao pé da letra.

• O próprio texto muitas vezes sugere o desen­rolar e o local da ação, a posição das personagens etc. (indicações espaço-temporais*). Um texto dramático, qualquer que seja ele, não pode ser escrito sem uma vaga idéia de uma possível re­presentação, sem um conhecimento, mesmo que rudimentar, das leis da cena usada, da concepção da realidade representada, da sensibilidade de uma época aos problemas do tempo e do espaço (pré­encenação*).

• As indicações cênicas e as sugestões vindas do texto nunca são verdadeiramente imperativas, e é decisiva a intervenção pessoal, e em certa me­dida exterior ao texto, do encenador. O local e a forma desta intervenção são muito ambíguos. Mesmo que seja concretizado num caderno de encenação, o discurso do encenador dificilmente é isolável da representação; ele constitui sua enunciação*, metalinguagem perfeitamente inte­grada ao modo de apresentação da ação e das per­sonagens; ele não vem se juntar ao texto lingüís­tico e à cena, não existe em parte alguma como texto acabado; está espalhado nas opções do jogo da atuação da cenografia, do ritmo etc. Por outro lado, ele só existe, segundo nossa concepção pro­dutiva-receptiva da encenação, quando é reconhe­cido e, em parte, partilhado pelo público. Mais que um texto (cênico) ao lado do texto dramáti­co, o metatexto é o que organiza, do interior, a concretização cênica, o que não está ao lado do texto dramático, mas, de certo modo, no interior dele, como resultante do circuito da concretização (circuito entre significante, contexto social e sig­nificado do texto) (PAVIS, 1985e: 244-268).

• Além do trabalho consciente do encenador, é preciso, enfim, deixar lugar para um pensamento visual ou inconsciente dos criadores. Se, como o sugere FREUD, o pensamento visual se aproxima mais dos processos inconscientes que o pensa­mento verbal, o encenador ou o cenógrafo pode­ria fazer o papel de "médium" entre linguagem dramática e linguagem cênica. A cena sempre re­meteria então à "outra cena" (espaço interior*).

3. Tipologia das Encenações

a. A encenação dos clássicos

A classificação é arriscada e as categorias voláteis (PAVIS, 1996a). Certas categorias de encena­cão dos clássicos também valem mutatis mu­tandis para os textos contemporâneos. Elas colo­cam todas as questões estéticas com uma acuidade ainda maior. O fato de se tratar de textos já anti­gos e dificilmente aceitáveis hoje sem uma certa explicação quase que obriga o encenador a to­mar partido quanto à sua interpretação ou a si­tuar-se na tradição das interpretações. Várias so­luções oferecem-se então a seu trabalho:

• Reconstituição arqueológica
Não encenar e, sim, reencenar uma peça inspi­rando-se, com um fervor arqueológico, na ence­nação de origem, quando os documentos de épo­ca estão disponíveis.

• Neutralização
Recusar a cena e suas escolhas cênicas em "bene­fício" de uma leitura neutra do texto, sem tomar partido quanto à produção do sentido e dando a ilusão (falaciosa) de que só nos prendemos ao tex­to e que a visualização é redundante. Ora o texto é vivido como uma ação única que não "dobra" o real (ARTAUD); ora o texto é concebido como um "bisturi que permite que abramos a nós mesmos' (GROTOWSKI, 1971: 35).

• Historicização
Levar em conta a defasagem entre a época da fic­ção representada, aquela de sua composição, e a nossa, acentuar esta defasagem e indicar as ra­zões históricas nos três níveis de leitura, isto é, historicizar". Este tipo de encenação restaura mais ou menos explicitamente, os pressupostos ideológicos ocultados, não receia desvendar os mecanismos da construção estética do texto e de sua representação. PLANCHON, VILAR, STREHLER, FORMIGONI, VINCENT pertencem a esse tipo de "encenação sociológica" (VlTEZ, 1994: 147).

• Recuperação do texto como material bruto
Textos antigos são usados como simples mate­rial com finalidade estética ou ideológica (atua­lização brechtiana, modernização, adaptação, reescritura). Citações ou trechos de outras obras esclarecem intertextualmente a obra interpreta­da (MERGUISCH, VITEZ).

• Encenação de sentidos possíveis e múltiplos do texto
Instalando práticas significantes* (KRISTEVA), que oferecem o texto espetacular à manipulação do espectador (A. SIMON, 1979: 42-56). Estas práticas oscilam entre uma abstração e uma abun­dância da cena.

• "Despedaçamento" do texto original
Ao mesmo tempo destruição de sua harmonia superficial, revelação das contradições ideológi­cas (cf PLANCHON e sua Mise en Piêcei s) du Cid, seu Arthur Adamov ou suas Folies bourgeoises) ou as encenações do Théâtre de l'Unité (!).

• Retorno ao mito
A encenação se desinteressa da dramaturgia es­pecífica do texto, para pôr a nu o núcleo mítico que o habita (ARTAUD, GROTOWSKI, BROOK e CARRIERE em sua adaptação do Mahabarata).

b. Alterações na escritura

Um meio possível de se demarcar os tipos de encenação consiste em observar como elas tra­tam o texto: "Por qualquer extremidade que se­jam pegas, todas as perguntas que o teatro faz sempre conduzem a esta: que acontece com o sen­tido do texto no palco?" (SALLENAVE, 1988: 93). Cada década parece haver inventado sua própria relação com os textos e o palco:
- os anos cinqüenta propuseram uma leitura (res­peitosa) das peças do patrimônio nacional (VILAR);
- os anos sessenta introduzem uma releitura crí­tica e distanciada (PLANCHON);
- os anos setenta preferem uma desleitura, desconstrução polifônica e dialógica (BAKHTIN, 1978) das práticas significantes (VITEZ);
- os anos oitenta questionam a estética da recep­ção e o "papel do leitor" (ECO, 1980), tomam altura e propõem meta leituras que timbram toda observação com o selo do comentário, margi­nal ou predominante (MESGUICH);
- os anos noventa restauram os poderes da escri­tura e assistem a uma eclosão de escrituras tan­to autônomas quanto abertas numa encenação: superleitura que se presta a todas as situações (COLAS ou PY);
- e no terceiro milênio? O texto, ou o hipertexto, talvez passe da memória humana à memory da máquina, do corpo à virtualidade, sem que nin­guém tenha mais consciência dele, misturadas que estarão hiperescritura e hiperleitura.

(PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo: perspectiva, 1999, p. 122 - 127)