A noção de encenação é recente; ela data apenas da segunda metade do
século XIX e o emprego da palavra remonta a 1820 (VEINSTEIN, 1955:9). É
nesta época que o encenador passa a ser o responsável “oficial” pela
ordenação doe espetáculo. Anteriormente, o ensaiador ou, às vezes, o
ator principal é que era encarregado de fundir o espetáculo num molde
preexistente. A encenação se assemelhava a uma técnica rudimentar de
marcação* dos atores. Esta concepção prevalece às vezes entre o grande
público, para quem o encenador só teria que regulamentar os movimentos
dos atores e das luzes.
B. DORT explica o advento da
encenação não pela complexibilidade dos recursos técnicos e da presença
indispensável de um “manipulador” central, mas por uma modificação dos
públicos: “A partir da segunda metade do século XIX, não há mais, para
os teatros, um público homogêneo e nitidamente diferenciado segundo o
gênero dos espetáculos que lhe são oferecidos. Desde então, não existe
mais nenhum acordo fundamental prévio entre espectadores e homens de
teatro sobre o estilo e o sentido desses espetáculos” (1971:61).
1. Funções da Encenação
a. Definições mínima e máxima
A. VEINSTEIN propõe duas definições de encenação, segundo o
ponto de vista da grande público e aquele dos especialistas: “Numa ampla
acepção, o termo encenação designa o conjunto dos meios de
interpretação cênica: cenário, iluminação, música e atuação [...]. Numa
acepção estreita, o termo encenação designa a atividade que consiste no
arranjo, num certo tempo e num certo espaço de atuação, dos diferentes
elementos de interpretação cênica de uma obra dramática” (1955: 7).
Deixamos de lado as razões históricas do surgimento da
encenação, no final do século XIX, sem menosprezar sua importância.
Seria fácil mostrar a revolução técnica da cena, entre 1880 e 1900,
principalmente a mecanização do palco e o aperfeiçoamento da iluminação
elétrica. A isto se acrescentam a crise do drama, assim como o
desmoronamento da dramaturgia clássica e do diálogo (SZONDI, 1956).
b. Exigência totalizante
Em suas origens, a encenação afirma uma concepção clássica da
obra teatral cênica como obra total e harmônica que ultrapassa e engloba
a soma dos materiais ou artes cênicas, outrora considerados como
unidades fundamentais. A encenação proclama a subordinação de cada arte
ou simplesmente de cada signo a um todo harmonicamente controlado por um
pensamento unificador. “Uma obra de arte não pode ser criada se não for
dirigida por um pensamento único” (E. G. CRAIG). A exigência
totalizante é acompanhada, desde o surgimento da encenação, de uma
tomada de consciência da historicidade dos textos e das representações,
da série de sucessivas concretizações de uma mesma obra. Esta
historicidade se manifesta pela imposição de um novo saber ao texto a
ser representado: aquele das ciências humanas: “O saber é constitutivo
da encenação” (PIEMME, 1984: 67).
c. Colocação no espaço
A
encenação consiste em transpor a escritura dramática do texto (texto
escrito e/ou indicações cênicas*) para uma escritura cênica. "A arte da
encenação é a arte de projetar no espaço aquilo que o dramaturgo só pode
projetar no tempo" (APPIA, 1954: 38). A encenação é "numa peça de
teatro a parte verdadeira e especificamente teatral do espetáculo"
(ARTAUD, 1964b: 161, 162). É, em suma, a transformação, ou melhor, a
concretização do texto, através do ator e do espaço cênico, numa
duração vivenciada pelos espectadores.
O espaço é, por assim dizer,
colocado em palavras: o texto é memorizado e inscrito no espaço gestual
do ator, réplica após réplica. O ator busca o percurso e as atitudes
que melhor correspondem a sua inserção espacial. As falas do diálogo,
reagrupadas no texto, são doravante espalhadas e inseri das no espaço e
no tempo cênicos, para serem vistas e ouvidas: "O tipo de enunciação
do texto dramático contém a exigência de ser dado a ver", escreve
justamente P. RICOEUR (1983: 63). O gesto, por exemplo, é
sistematicamente trabalhado para ser legível (mais que visível); ele é
estilizado, abstrato, decomposto, associado mnemotecnicamente ao
desfile do texto, ancorado de acordo com alguns pontos de referência, em
alguns apoios (subpartitura*).
d. Conciliação
Os
diferentes componentes da representação, devidos muitas vezes à
intervenção de vários criadores (dramaturgo, músico, cenógrafo etc.),
são reunidos e coordenados pelo encenador. Quer se trate de obter um
conjunto integrado (como na ópera) ou, ao contrário, de um sistema onde
cada arte conserva sua autonomia (BRECHT), o encenador tem por missão
decidir o vínculo entre os diversos elementos cênicos, o que
evidentemente influi de maneira determinante na produção do sentido
global. Este trabalho de coordenação e homogeneização se faz, para um
teatro que mostra uma ação, em torno da explicação e do comentário da
fábula* que é tornada inteligível recorrendo-se à cena usada como
teclado geral da produção teatral. A encenação deve formar um sistema
orgânico completo, uma estrutura onde cada elemento se integra ao
conjunto, onde nada é deixado ao acaso, e sim, possui uma função na
concepção de conjunto. Toda encenação instaura uma coerência *, a qual,
aliás, ameaça a todo momento transformar-se em incoerência. Exemplar, a
este respeito, é a definição de COPEAU, que retoma inúmeras
experiências teatrais: "Por encenação entendemos: o desenho de uma ação
dramática. É o conjunto dos movimentos, gestos e atitudes, a conciliação
das fisionomias, das vozes e dos silêncios; é a totalidade do
espetáculo cênico, que emana de um pensamento único, que o concebe, o
rege e o harmoniza. O encenador inventa e faz reinar entre as
personagens aquele vínculo secreto e invisível, aquela sensibilidade
recíproca, aquela misteriosa correspondência das relações, em cuja
ausência o drama, mesmo que interpretado por excelentes atores, perde a
melhor parte de sua expressão" (COPEAU, 1974: 29-30).
e. Evidenciação do sentido
A
encenação não é mais considerada, portanto, como "mal necessário" do
qual o texto dramático poderia muito bem, afinal de contas, se privar, e
sim, como o próprio local do aparecimento do sentido da obra teatral.
Assim, para STANISLÁVSKI, compor uma encenação consistirá em tomar
materialmente evidente o sentido profundo do texto dramático. Para
isso, a encenação disporá de todos os recursos cênicos (dispositivo
cênico, luzes, figurinos etc.) e lúdicos (atuação, corporalidade e
gestualidade). A encenação compreende ao mesmo tempo o ambiente onde
evoluem os atores e a interpretação psicológica e gestual desses atores.
Toda encenação é uma interpretação do texto (ou do script), uma
explicação do texto "em ato"; s6 temos acesso à peça por intermédio
desta leitura do encenador.
f. Três questões sobre a organização da encenação
Para
compreender a concretização que implica toda nova encenação de um
mesmo texto, busca-se estabelecer a relação entre o texto dramático e
seu contexto de enunciação, colocando três questões teóricas:
•
Que concretização é feita do texto dramático quando de qualquer nova
leitura ou encenação? Que circuito da concretização se estabelece então
como obra-coisa, contexto social e objeto estético? (Para retomar os
termos de MUKAROVSKY (1934); cf PAVIS, 1983a).
• Que
ficcionalização, isto é, que produção de uma ficção, a partir do texto e
a partir da cena, se estabelece graças aos efeitos conjugados do texto e
do leitor, da cena e do espectador? No que a mescla de duas ficções,
textual e cênica, é indispensável à ficcionalização teatral? (cf PAVIS,
1985d)?
• A que ideologização são submetidos o texto dramático e
a representação? O texto - seja ele dramático ou espetacular - só se
compreende em sua intertextualidade*, principalmente em relação às
formações discursivas e ideológicas de uma época ou de um cor pus de
textos. Trata-se de imaginar a relação do texto dramático e espetacular
com o contexto social, isto é, com outros textos e discursos mantidos
sobre o real por uma sociedade. Sendo esta relação das mais frágeis e
variáveis, o mesmo texto dramático produz sem dificuldade uma infinidade
de leituras e, portanto, de encenações imprevisíveis a partir somente
do texto.
g. Solução imaginária
O relacionamento das duas
ficções, textual e cênica, não se limita a estabelecer uma circularidade
entre enunciado e enunciação, ausência e presença. Ela confronta os
locais de indeterminação e as ambigüidades do texto e da
representação. Estes locais não coincidem necessariamente no texto e no
palco. Por vezes, a representação pode tomar ambígua, isto é,
polissêmica ou, ao contrário, vazia de sentido, esta ou aquela passagem
do texto. Por vezes, ao contrário, a representação toma partido sobre
uma contradição ou uma indeterminação textual.
Tomar opaco pelo palco
o que era claro no texto, ou esclarecer o que era opaco no texto, tais
operações de determinação/indeterminação situam-se no cerne da
encenação. Na maior parte do tempo, a encenação é uma explicação de
texto que organiza uma mediação entre o receptor original e o receptor
contemporâneo. Por vezes, ao contrário, ela é uma "complicação de
texto", uma vontade deliberada de impedir toda comunicação entre os
contextos sociais das duas recepções.
Em certas encenações (aquelas
inspiradas, por exemplo, por uma análise dramatúrgica brechtiana),
trata-se de demonstrar como o texto dramático foi ele próprio a solução
imaginária de contradições ideológicas reais, aquelas da época na qual
se estabeleceu a ficção. A encenação é então encarregada de tomar a
contradição textual imaginável e representável. Para encenações
preocupadas com a revelação de um subtexto do tipo stanislavskiano,
supõe-se que o inconsciente do texto acompanhe, num texto paralelo, o
texto realmente pronunciado pelas personagens.
h. Discurso paródico
Qualquer
que seja a vontade, apregoada ou não, de mostrar a contradição da
fábula ou a verdade profunda do texto através da visualização do
subtexto, a encenação é sempre um discurso ao lado de uma leitura
achatada e neutra do texto; ela é, no sentido etimológico, paródica. mas
nem a contradição, nem o subtexto inconsciente estão verdadeiramente ao
lado ou acima do texto (como o metatexto); eles estão no entrechoque e
no entrelaçamento das duas leituras, no interior da concretização, da
ficção, da relação com a ideologia: como uma paródia que não poderíamos
separar do objeto parodiado.
i. Direção de ator
Concretamente,
a encenação passa por uma fase de direção de atores. O encenador guia
os comediantes fazendo-os mudar e explicitando-lhes a imagem que eles
produzem trabalhando a partir de suas propostas e efetuando correções em
função dos outros atores. Ele se assegura de que o detalhe do gesto, da
entonação, do ritmo corresponde ao conjunto do discurso da encenação,
integra-se a uma seqüência, a uma cena, a um conjunto. Os atores
experimentam, durante os ensaios, diversas situações de enunciação*.
Ocupam pouco a pouco o espaço, ao termo de um trajeto, organizando e
organizando-se no conjunto dos sistemas cênicos: "É isto a direção de
ator, conseguir motivar vocês e por que os gestos efetuados por vocês no
palco lhes pareçam não só que 'têm de ser feitos', mas que são
evidentes: sentir que o papel é interpretado apenas com os
deslocamentos, por exemplo" (C. FERRAN in Théâtre/Public n. 64-65, 1985,
p. 60). Uma direção assim supõe que os signos produzidos pelo ator
sejam emitidos claramente, sem "ruídos" nem interferências, com os
traços pertinentes buscados pelo discurso global da encenação, que os
comediantes realizem o jogo cênico uns com os outros, sejam audíveis e
"legíveis". Dedica-se freqüentemente um cuidado particular à entonação e
ao ritmo, àquilo que os alemães chamam de Sprachregie (encenação da
língua).
A encenação não é necessariamente - como está na moda dizer -
um exercício de autoritarismo do encenador que despoja os autores e
tiraniza sadicamente atores-marionetes. BRECHT o lembrava, em vão:
"Entre nós, o encenador não penetra no teatro com sua 'idéia' ou sua
'visão', uma 'planta baixa das marcações' e dos cenários prontos. Seu
desejo não é 'realizar' uma idéia. Sua tarefa consiste em despertar e
organizar a atividade produtiva dos atores (músicos, pintores etc.).
Para ele, ensaiar não significa fazer engolir à força alguma concepção
fixada a priori em sua cabeça e, sim, pô-la à prova" (1972: 405).
i. Indicação
No
jargão dos atores, diz-se que o encenador dá indicações aos
comediantes. Toda a dificuldade consiste em dar e receber esta
indicação por meias palavras: "É uma coisa bem difícil saber pegar bem
uma indicação, como é coisa difícil para o encenador dá-Ia com clareza. É
preciso captar o espírito de não tomar-se escravo da letra" (DULLIN,
1946: 48). Conselho que seguem todos os encenadores para quem a
indicação não deve desembocar numa imitação: indicar não é ditar, é,
antes, sugerir, informar, mostrar um caminho possível.
2. Problemas da Encenação
a. Papel da encenação
O
surgimento do encenador na evolução do teatro é significativo de uma
nova atitude perante o texto dramático: durante muito tempo, na
verdade, este apareceu como o recinto fechado de uma única
interpretação possível que era preciso despistar (comprova isto, por
exemplo, a fórmula de LEDOUX que recomendava ao encenador, em confronto
com o texto, "servir e não servir-se"). Hoje, ao contrário, o texto é um
convite a buscar seus inúmeros significados, até mesmo suas
contradições; ele se presta a novas interpretações. O advento da
encenação prova, além do mais, que a arte teatral* tem doravante direito
de cidade como arte autônoma. Sua significação deve ser buscado tanto
em sua forma e na estrutura dramatúrgica e cênica quanto no ou nos
sentidos do texto. O encenador não é um elemento exterior à obra
dramática: "Ele ultrapassa o estabelecimento de um quadro ou a
ilustração de um texto. Toma-se o elemento fundamental da
representação teatral: a mediação necessária entre um texto e um
espetáculo. [ ... ] Texto e espetáculo se condicionam mutuamente; um
expressa o outro" (DORT, 1971: 55-56).
b. O discurso * da encenação
A
encenação de um texto sempre tem uma palavra a dizer: intervenção
capital pois será, para a representação, a "última palavra"; não existe
discurso universal e definitivo da obra que a representação deve trazer à
luz. A alternativa que ainda hoje vigora entre os grandes encenadores -
"levar o texto" ou "levar a representação" - é, portanto, falseada
desde o início. Não se poderia privilegiar impunemente um dos dois
termos. Quase não se pensa mais, hoje, que o texto é o ponto de
referência congelado numa única representação possível, texto que só
teria uma única "verdadeira" encenação (roteiro*, texto e cena*).
c. Local do discurso da encenação
•
As indicações cênicas* dão diretivas muito precisas para a realização
cênica, porém a encenação não tem necessariamente que segui-Ias ao pé da
letra.
• O próprio texto muitas vezes sugere o desenrolar e o
local da ação, a posição das personagens etc. (indicações
espaço-temporais*). Um texto dramático, qualquer que seja ele, não pode
ser escrito sem uma vaga idéia de uma possível representação, sem um
conhecimento, mesmo que rudimentar, das leis da cena usada, da concepção
da realidade representada, da sensibilidade de uma época aos problemas
do tempo e do espaço (préencenação*).
• As indicações cênicas e
as sugestões vindas do texto nunca são verdadeiramente imperativas, e é
decisiva a intervenção pessoal, e em certa medida exterior ao texto, do
encenador. O local e a forma desta intervenção são muito ambíguos.
Mesmo que seja concretizado num caderno de encenação, o discurso do
encenador dificilmente é isolável da representação; ele constitui sua
enunciação*, metalinguagem perfeitamente integrada ao modo de
apresentação da ação e das personagens; ele não vem se juntar ao texto
lingüístico e à cena, não existe em parte alguma como texto acabado;
está espalhado nas opções do jogo da atuação da cenografia, do ritmo
etc. Por outro lado, ele só existe, segundo nossa concepção
produtiva-receptiva da encenação, quando é reconhecido e, em parte,
partilhado pelo público. Mais que um texto (cênico) ao lado do texto
dramático, o metatexto é o que organiza, do interior, a concretização
cênica, o que não está ao lado do texto dramático, mas, de certo modo,
no interior dele, como resultante do circuito da concretização (circuito
entre significante, contexto social e significado do texto) (PAVIS,
1985e: 244-268).
• Além do trabalho consciente do encenador, é
preciso, enfim, deixar lugar para um pensamento visual ou inconsciente
dos criadores. Se, como o sugere FREUD, o pensamento visual se aproxima
mais dos processos inconscientes que o pensamento verbal, o encenador
ou o cenógrafo poderia fazer o papel de "médium" entre linguagem
dramática e linguagem cênica. A cena sempre remeteria então à "outra
cena" (espaço interior*).
3. Tipologia das Encenações
a. A encenação dos clássicos
A
classificação é arriscada e as categorias voláteis (PAVIS, 1996a).
Certas categorias de encenacão dos clássicos também valem mutatis
mutandis para os textos contemporâneos. Elas colocam todas as questões
estéticas com uma acuidade ainda maior. O fato de se tratar de textos
já antigos e dificilmente aceitáveis hoje sem uma certa explicação
quase que obriga o encenador a tomar partido quanto à sua interpretação
ou a situar-se na tradição das interpretações. Várias soluções
oferecem-se então a seu trabalho:
• Reconstituição arqueológica
Não
encenar e, sim, reencenar uma peça inspirando-se, com um fervor
arqueológico, na encenação de origem, quando os documentos de época
estão disponíveis.
• Neutralização
Recusar a cena e suas
escolhas cênicas em "benefício" de uma leitura neutra do texto, sem
tomar partido quanto à produção do sentido e dando a ilusão (falaciosa)
de que só nos prendemos ao texto e que a visualização é redundante. Ora
o texto é vivido como uma ação única que não "dobra" o real (ARTAUD);
ora o texto é concebido como um "bisturi que permite que abramos a nós
mesmos' (GROTOWSKI, 1971: 35).
• Historicização
Levar em conta
a defasagem entre a época da ficção representada, aquela de sua
composição, e a nossa, acentuar esta defasagem e indicar as razões
históricas nos três níveis de leitura, isto é, historicizar". Este tipo
de encenação restaura mais ou menos explicitamente, os pressupostos
ideológicos ocultados, não receia desvendar os mecanismos da construção
estética do texto e de sua representação. PLANCHON, VILAR, STREHLER,
FORMIGONI, VINCENT pertencem a esse tipo de "encenação sociológica"
(VlTEZ, 1994: 147).
• Recuperação do texto como material bruto
Textos
antigos são usados como simples material com finalidade estética ou
ideológica (atualização brechtiana, modernização, adaptação,
reescritura). Citações ou trechos de outras obras esclarecem
intertextualmente a obra interpretada (MERGUISCH, VITEZ).
• Encenação de sentidos possíveis e múltiplos do texto
Instalando
práticas significantes* (KRISTEVA), que oferecem o texto espetacular à
manipulação do espectador (A. SIMON, 1979: 42-56). Estas práticas
oscilam entre uma abstração e uma abundância da cena.
• "Despedaçamento" do texto original
Ao
mesmo tempo destruição de sua harmonia superficial, revelação das
contradições ideológicas (cf PLANCHON e sua Mise en Piêcei s) du Cid,
seu Arthur Adamov ou suas Folies bourgeoises) ou as encenações do
Théâtre de l'Unité (!).
• Retorno ao mito
A encenação se
desinteressa da dramaturgia específica do texto, para pôr a nu o núcleo
mítico que o habita (ARTAUD, GROTOWSKI, BROOK e CARRIERE em sua
adaptação do Mahabarata).
b. Alterações na escritura
Um
meio possível de se demarcar os tipos de encenação consiste em observar
como elas tratam o texto: "Por qualquer extremidade que sejam pegas,
todas as perguntas que o teatro faz sempre conduzem a esta: que acontece
com o sentido do texto no palco?" (SALLENAVE, 1988: 93). Cada década
parece haver inventado sua própria relação com os textos e o palco:
- os anos cinqüenta propuseram uma leitura (respeitosa) das peças do patrimônio nacional (VILAR);
- os anos sessenta introduzem uma releitura crítica e distanciada (PLANCHON);
-
os anos setenta preferem uma desleitura, desconstrução polifônica e
dialógica (BAKHTIN, 1978) das práticas significantes (VITEZ);
- os
anos oitenta questionam a estética da recepção e o "papel do leitor"
(ECO, 1980), tomam altura e propõem meta leituras que timbram toda
observação com o selo do comentário, marginal ou predominante
(MESGUICH);
- os anos noventa restauram os poderes da escritura e
assistem a uma eclosão de escrituras tanto autônomas quanto abertas
numa encenação: superleitura que se presta a todas as situações (COLAS
ou PY);
- e no terceiro milênio? O texto, ou o hipertexto, talvez
passe da memória humana à memory da máquina, do corpo à virtualidade,
sem que ninguém tenha mais consciência dele, misturadas que estarão
hiperescritura e hiperleitura.
(PAVIS, Patrice. Dicionário de
teatro; tradução para a língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e
Maria Lúcia Pereira. São Paulo: perspectiva, 1999, p. 122 - 127)